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Venda de terras em larga escala pode agravar insegurança alimentar

A venda de terras de comunidades tradicionais em larga escala pode agravar a insegurança alimentar, principalmente com a concentração da posse por grupos estrangeiros. O alerta está no relatório Situação da Terra, divulgado ontem (13) – Dia Mundial da Alimentação, pela Organização Não-governamental (ONG) ActionAid.
No levantamento, a organização analisa o avanço das grandes aquisições de terra em 24 países da América Latina, África e Ásia, inclusive no Brasil, e aponta os riscos desse mercado para as comunidades tradicionais, principalmente as mulheres, considerado o grupo mais vulnerável. Com a concentração da terra na mão de estrangeiros, a produção agrícola passa a ser focada na exportação e a produção local fica marginalizada, comprometendo a sobrevivência das comunidades e os preços dos alimentos no mercado interno.
“Em geral, as grandes aquisições envolvem transferência de direitos do uso da terra das comunidades para os investidores, colocando grandes áreas – e a água – nas mãos de poucos, em detrimento dos pequenos produtores”, diz o texto. O fenômeno do comércio de terras em larga escala tem avançado nos últimos anos estimulado, segundo o relatório, pelo aumento do preço dos alimentos e pela expansão da produção de biocombustíveis, que elevam a demanda por áreas agricultáveis. “Até 2008, girava em torno de 4 milhões de hectares de terra por ano. Só entre outubro de 2008 e agosto de 2009, movimentou 45 milhões de hectares, tomou uma proporção muito grande”, compara o coordenador executivo da ActionAid Brasil, Adriano Campolina.
O documento cita casos como o de uma comunidade no Quênia, em que uma multinacional comprou uma área de 2,3 mil hectares para a produção de arroz, deixando sem terra e com menos acesso à água os pequenos agricultores que viviam na área. Também destaca a situação da Guatemala, onde 8 mil hectares por ano vêm sendo convertidos em plantações de palma para produção de biocombustível. “Geralmente, os países que têm fragilidade institucional maior são mais propensos a sofrer as consequências dessa apropriação, dessa tomada de terras. Mais de 45% das transações recentes ocorrem na África”, explica Campolina.
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No Brasil, a má distribuição das terras é apontada como um problema histórico, marca da colonização. Segundo dados da ActionAid, 56% da terra agricultável do país estão nas mãos de 3,5% dos proprietários rurais. Os 40% mais pobres têm apenas 1% dessas terras. De acordo com o estudo, a estrangeirização de terras no Brasil ainda é um fenômeno relativamente recente, mas já há pelo menos 4 milhões de hectares em mãos de grupos não-nacionais, a maior parte empresas ligadas à produção de soja e de cana-de-açúcar para a fabricação de etanol. Entre 2002 e 2008, foram aplicados cerca de US$ 47 bilhões de investimento externo direto no agronegócio brasileiro, informa a pesquisa.
A desatualização da legislação nacional sobre a venda de terras para estrangeiros e falhas no cumprimento da lei são, segundo Campolina, os maiores gargalos para avaliar a real situação no país. “A maior deficiência é fazer com que a lei seja cumprida. É necessário um sistema de registro mais rigoroso, hoje em dia é autodeclaratório. E há uma defasagem no tempo, muitos cartórios não informam há mais de dez anos os registros de terras por estrangeiros. É preciso melhorar a capacidade de regulamentar essa possível estrangeirização da terra”, explicou o coordenador.
A pesquisa reconhece os resultados de programas sociais como o Bolsa Família e iniciativas de fortalecimento da agricultura familiar, mas aponta a necessidade de efetiva implementação de políticas para proteger populações mais vulneráveis à exploração fundiária. Entre as recomendações, estão o aumento da criação de assentamentos da reforma agrária, o reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas e a ampliação da regulação de compra de terras por estrangeiros, para aumentar o controle desse comércio.
A implementação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, regulamentada em agosto, e a redução drástica no uso de agrotóxicos na agricultura nacional também estão entre as sugestões do documento para o caso brasileiro. Entre as recomendações em âmbito global está a reformulação do sistema mundial de produção e distribuição de alimentos, para que o foco seja a pequena agricultura. A organização também defende a criação de mecanismos de controle e transparência em contratos internacionais de compra e venda de terras e de garantias de consulta e compensações para as comunidades atingidas pelas desapropriações.

AVALIAÇÃO CONTAG: ruralistas investem contra o direito à terra no Congresso Nacional
Os setores conservadores no Congresso Nacional estão se aproveitando da crise política que vem fragilizando os partidos que defendem os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras para impor retrocessos na legislação e nas conquistas do povo. Neste ambiente, a bancada ruralista e seus aliados, atendendo aos interesses do capital nacional e estrangeiro, vêm forçando a aprovação de leis que aumentam o processo de privatização, concentração e estrangeirização das terras.
As terras brasileiras são cada vez mais cobiçadas no mundo inteiro, seja pelo capital privado, pelos negócios mundiais de carbono ou por países que não dispõem de terras produtivas suficientes para manter a produção de alimentos para suas populações. As propostas dos ruralistas visam eliminar qualquer restrição aos mercados, comprometendo a capacidade da Nação de regular as formas de domínio e uso das terras, da água e da biodiversidade.
Nesta investida, dentre as várias propostas que tramitam no Congresso, foi aprovado o Projeto de Lei 2.742/2003, que trata das concessões e alienações de terras feitas pelos Estados na faixa de fronteira. Tal lei impede o controle público sobre a regulação das áreas de fronteira, torna legítimas titulações indevidas e dificulta a retomada de terras de domínio da União. Propõe a ratificação quase que indiscriminada de propriedades rurais pequenas, médias e grandes, inclui no processo títulos regulares e irregulares e não considera os requisitos do Estatuto da Terra, a função social ou a comprovação da cadeia dominial dos imóveis.
É uma situação grave, que fica ainda pior quando combinada com a possibilidade de retirar do Estado o poder de regular o processo de aquisição e arrendamento das terras por estrangeiros, como prevê o Projeto de Lei nº 4.059, de 2012, que está para ser votado Câmara dos Deputados.
“Estamos mobilizando nossa base, pedindo que pressionem os parlamentares para que não aprovem tal lei. É imprescindível que o Congresso não retire do Estado brasileiro o poder de controlar suas terras e seus bens naturais, que são recursos estratégicos para o presente e o futuro do nosso país”, destaca o secretário de Política Agrária da Contag, Zenildo Xavier

FONTE: Correio Braziliense com adaptações de avaliação da Contag

Assessoria de Imprensa – 14/10/2015